É tempo de fazer presépio. E muita gente os faz, cada um a seu modo. Por isso eles estão presentes nos mais diversos lugares, das igrejas às casas mais humildes, das praças aos restaurantes. Nos lares, significam um gesto cristão, familiar e até mesmo lúdico. Coube a Francisco de Assis, segundo conta a história, fazer o primeiro presépio, isso lá pelo século onze da era cristã. Da Itália, a tradição do presépio natalino espalhou-se pelo mundo ocidental.
Quando criança, eu assistia à minha mãe fazer o presépio, no chão de um canto da sala. Era um presépio tipicamente sertanejo. Ali, ela dispunha um a um os personagens da lapinha, pois assim ela chamava o modesto arranjo representativo do nascimento de Cristo. Em seguida, com paciência maternal, apontava cada figura, dizendo-lhe o nome, e buscava me explicar o significado de cada um.
Na minha mente infantil, eu chegava a imaginar que minha mãe estava brincando de bonecas, a exemplo da minha irmã, também criança nessa época. E então, agachado de frente para o presépio, eu esperava, ansioso, ver todos aqueles pequenos vultos se moverem: José, Maria, os pastores, o anjo, os reis magos, os animais; e, mais que isso, também queria ouvir o choro do menino deitado na manjedoura.
Aquelas minhas ilusões de criança, aquela imaginação infantil, já vai longe viraram fumaça que se escapou pela chaminé profunda do tempo. E hoje, adulto, parece-me ver, de um modo cruel, concretizado o sonho infantil, que era justamente ver os personagens do presépio natalino em movimento pleno e autêntico.
Parece-me ver o sonho concretizado nos seres humanos que hoje encontro nas ruas e também na roça, onde ainda moro. Não se trata, todavia, da materialização do meu sonho infantil, porque a realidade é por si mesma diametralmente oposta.
Dia desses, por exemplo, encontrei numa rua da cidade, uma mulher esquelética e mendiga, conduzindo no colo uma criança desnutrida. Pedia pão, até por caridade. Depois, vi uma pequena família, humílima, desabrigada numa praça: homem, mulher e outra criança, na mesma situação. Depois vi animais domésticos, cães e gatos, também abandonados na rua, em situação igualmente calamitosa.
Quando, já em casa, ligo a tevê, a imagem mostra uma família em situação de rua. Vou para a internet, e o que lá vejo são cenas semelhantes: pessoas ao léu, abandonadas. Animais domésticos, cães e gatos famintos, sem dono. Sem esperança.
De modo que, vejo hoje, diante dos meus olhos, ao vivo, as cenas de um presépio formado por seres de carne e osso, pedintes, famintos, sem lar e sem abrigo. Na minha visão infantil, eram seres felizes, comemorando a natividade de Cristo. Hoje, na minha mente adulta, são seres infelizes, lastimando sua própria sorte de infortunados pelas circunstâncias cruéis da vida, situados em um mundo no qual a hipocrisia fala sempre mais alto. Gostaria, portanto, de voltar à minha infância, já tão distante de mim mesmo, para nela reviver a alegria e a felicidade dos vultos inanimados da singela lapinha elaborada pelas mãos ingênuas da minha mãe.


1 comentário
Caro cronista, adorei, como sempre, mais esse impecável texto.
Obrigado por nos proporcionar tão prazerosa leitura durante todo o ano de 2025!
Feliz Natal!