A ideia do cashback de impostos, criada pela reforma tributária, soa moderna e justa: devolver parte dos tributos pagos pelas famílias mais pobres. Mas a forma como o mecanismo foi desenhado e o contexto em que ele será aplicado apontam para um futuro bem diferente do que o discurso sugere.
O estudo do FGV Ibre mostra que o benefício pode elevar em até 10% a renda média das famílias de baixa renda, com variação entre regiões — o que é verdade do ponto de vista técnico. Mas o foco do debate não deveria ser a diferença regional, e sim a transformação estrutural que o novo modelo trará: o fim prático da sonegação e da informalidade.
O sistema de cashback vai coexistir com a cobrança automática e digitalizada dos novos tributos (CBS e IBS). Isso significa que todas as transações eletrônicas — Pix, cartão, débito, crédito ou Drex — serão rastreáveis, e a incidência de imposto será calculada e recolhida no ato da operação.
Em outras palavras, a reforma cria o ambiente para o imposto instantâneo: o vendedor não vai mais declarar quanto faturou, porque o sistema saberá. Quem vender um pastel, uma pipoca ou prestar um serviço e receber por via eletrônica terá o tributo automaticamente destacado.
Não haverá espaço para “deixar para depois”, nem para subnotificar. O próprio sistema bancário e de pagamentos será o meio arrecadador e fiscalizador, integrando a base de dados do governo. A promessa de simplificação tributária é real, mas vem junto com um nível de transparência e controle inédito.
E aqui está o ponto cego do entusiasmo com o cashback: o benefício não existe sem a cobrança prévia. Ele é, essencialmente, um imposto cobrado e devolvido em parte, com a justificativa de progressividade. Na prática, significa que as camadas mais pobres continuarão pagando tributo sobre o consumo, e só depois receberão o ressarcimento.
É um modelo tecnicamente interessante, mas com efeito de imposição total de formalidade econômica, que alcançará até o pequeno comércio e o autônomo. A lógica é inevitável: se a transação passou por meio eletrônico, o Estado saberá, e a tributação ocorrerá em tempo real.
O cashback é, portanto, menos um alívio e mais um sintoma da nova era fiscal brasileira, na qual o controle substitui a confiança e a informalidade se torna inviável.
