Numa certa manhã, enquanto aguardava atendimento em agência bancária, tomou-me de surpresa uma cena raríssima hoje em dia. Sentou-se perto de mim uma jovem, de elegância à vista e que de sua bolsa puxou, em lugar do samartphone, um livro (creia-me, um livro!) de páginas já meio amareladas, e pôs-se a ler calmamente. A surpresa cresceu quando constatei, relanceando os olhos, que se tratava de uma edição em espanhol de Histórias Extraordinárias, do escritor de língua inglesa Edgar Alan Poe. Página por página, a jovem leitora entretinha-se, enquanto aguardava sua vez.
No mesmo recinto, um vistoso número de pessoas cabisbaixas, vidradas em seus aparelhos celular. Sem me conter, tomei a audácia de interromper a leitura daquele ser estranho, para lhe falar exatamente da minha surpresa. E emendamos conversa. Ela passou então a comentar a tradução espanhola do genial Poe, do gosto que tem pela leitura, do contato prazeroso com o livro e mais algumas particularidades que me encheram de mais espanto ainda, pois não é todo dia que se vê por aí um leitor em público.
O hábito de ler, de longo tempo até os nossos dias, foi sempre muito escasso entre a maioria de nós brasileiros. Ainda hoje, numa cidade pequena, por exemplo, um leitor habitual pode se tornar um personagem conhecido entre seus conterrâneos. É capaz até de ganhar status de pessoa respeitada e incomum, senão um louco, visto que cultivar o prazer de ler é algo quase exótico. E, convenhamos, o mundo dos que leem assiduamente tem sempre qualquer coisa de estranho perante os olhos de grande parcela dos outros viventes.
Em tempos mais antigos, a população de leitores era a mais simplificada de todas, em todos os recantos do Brasil, haja vista a dificuldade em se obter livro. No passado da nossa literatura, muitos autores nacionais tiveram que mandar imprimir suas obras no continente europeu, tendo em conta a falta de tipografia em nosso país. A coisa começou a mudar em 1808, com a chegada da Família Real e a fundação da Imprensa Régia por D. João VI. Nessa época, a primeira obra a ser impressa no Brasil foi Marília de Dirceu, do poeta Tomás Antônio Gonzaga, que por sua vez, tem seu nome estritamente ligado a importante página da história do Brasil.
Ler, para quem preza a leitura, constitui um dos hábitos mais prazerosos e benéficos. Desde que decifrei o alfabeto, na minha infância, os livros têm sido meus grandes companheiros. Com eles viajo o mundo, ouço a voz dos seus autores, por mais remotos que possam ser, volto ao passado mais longínquo da história humana, e de repente situo-me novamente na contemporaneidade. Na juventude, eu tinha por costume sair à rua sobraçando sempre um livro, até descobrir que tal comportamento nos torna excêntricos no meio da fauna geral, a ponto de muito desavisado nos confundir com um nova-seita, mesmo que o tomo que você esteja portando seja um Sartre.
Há leitores vorazes, verdadeiras traças devoradores de livros. O escritor mineiro Eduardo Frieiro (1889-1982), em sua obra Os livros nossos amigos, conta-nos que “o mais famoso ledor de que se tem notícia foi o prelado francês Daniel Huet. Até quando se vestia, para não perder tempo, acompanhava a leitura feita pelo seu criado de quarto, e não se consolava das horas que perdia dormindo ou comendo”.
Com o advento da informática, em nossos dias, os livros ganharam um visual gráfico de alto padrão e qualidade. A cada ano, pelo que se sabe, o mercado editorial no Brasil e no mundo supera-se em número de novas publicações. Um portal dedicado ao assunto informa que, em ano recente, “foi registrada a venda de 10 milhões de livros, índice significativamente recorde”. Embora diante de estatísticas tão animadoras, não consigo tirar da minha cabeça que, naquela manhã, numa agência bancária da minha cidade, deparei-me com uma autêntica extraterrestre, que lia Poe. E, além do mais, de traços mui graciosos, aos olhos de um terráqueo.

