A recente decisão judicial que proibiu o prefeito de Bela Cruz, José Otacílio de Morais Neto, de associar sua imagem pessoal à divulgação de obras e ações do município levanta uma discussão que vai além do caso específico. Embora amparada na Constituição e na Lei de Improbidade Administrativa, a medida escancara uma contradição preocupante na forma como o princípio da impessoalidade é aplicado entre diferentes esferas do poder público.
A impessoalidade é um dos pilares da administração pública. Prevista no artigo 37 da Constituição Federal, determina que a publicidade dos atos, programas, obras e serviços deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, sem promoção pessoal de autoridades ou servidores. No caso de Bela Cruz, o Ministério Público do Ceará constatou que o prefeito utilizava suas redes sociais para divulgar obras públicas com foco em sua imagem, o que motivou a ação judicial e a posterior decisão que impõe, inclusive, multa diária em caso de descumprimento.
Até aqui, tudo segue o que determina a lei. O problema é quando se observa que a regra parece não valer para todos.
Enquanto prefeitos de municípios do interior enfrentam processos por publicarem vídeos de calçamentos ou entregas de veículos escolares em seus perfis, órgãos como o Governo do Estado do Ceará, a Assembleia Legislativa (Alece), a Prefeitura de Fortaleza e até o Palácio do Planalto mantêm portais oficiais e redes sociais recheadas de conteúdo institucional que exalta diretamente a figura de seus gestores. A imagem do governador, do presidente da República, seus nomes e até slogans de gestão aparecem com frequência em campanhas custeadas com dinheiro público. A mesma prática é adotada em eventos, discursos e peças publicitárias institucionais.
O que diferencia, afinal, a comunicação do prefeito de uma pequena cidade daquela promovida por estruturas mais robustas, como a do Governo Estadual, da capital ou da União? O princípio da impessoalidade deveria ser aplicado com o mesmo rigor em todas as esferas, sob pena de transformá-lo em um instrumento seletivo e, portanto, injusto.
É legítimo que a população seja informada sobre as ações de seu governo, seja ele municipal, estadual ou federal. A transparência é um valor essencial em qualquer democracia. No entanto, há uma linha tênue entre informar e promover. E cruzá-la, ainda que sob a justificativa de “prestar contas”, compromete a credibilidade do serviço público e desequilibra o jogo democrático, sobretudo em anos eleitorais.
A comunicação institucional precisa ser revista com seriedade. É preciso criar parâmetros mais claros e isonômicos sobre o que pode ou não ser feito. Proibir prefeitos de usarem suas redes para mostrar o que a gestão faz, ao mesmo tempo em que se permite que governadores e presidentes apareçam como protagonistas de cada ação oficial, é escancarar a desigualdade de tratamento.
A impessoalidade, como princípio constitucional, deve valer para todos, sem exceções.
